segunda-feira, 31 de agosto de 2009

gritar eu bem gritei!

Eu vivi na cidade
No tempo da desordem
Vivi no meio da gente minha
No tempo da revolta
Comi minha comida
No meio da batalha
Amei, sem ter cuidado
Olhei e tudo que via
Sem tempo de bem ver
Assim passei o tempo
Que me deram pra viver
A voz da minha gente se levantou
E a minha voz junto com a dela
Tenho certeza que os donos da terra
Ficariam mais contentes
Se não ouvissem minha voz
Minha voz não pode muito
Mas gritar eu bem gritei!
de João do Vale/José Cândido

terça-feira, 25 de agosto de 2009

estou dando batalha


Ah, para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece: bicho tem dor, e sofre sem saber mais porque.
Digo ao senhor: tudo é pacto. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais _ a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! Deus resvala? Mire e veja. Tenho medo? Não. Estou dando batalha.
De Guimarões Rosa
E a foto é minha. Uma cena em Barra, sertão da Bahia, às margens do Rio São Francisco. Uma viagem que ainda hoje me traz aprendizados.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

com licença poética



Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.

De Adélia Prado.
E a foto é minha.
Juju, uma amiga muito querida que ajuda a carregar as bandeiras.


domingo, 16 de agosto de 2009

sábado, 15 de agosto de 2009

um pé no chão e um sabiá


O Dina,
Teu menino desceu o São Carlos
Pegou um sonho e partiu
Pensava que era um guerreiro
Com terras e gente a conquistar
Havia um fogo em seus olhos
Um fogo de não se apagar

Diz lá pra Dina que eu volto
Que seu guri não fugiu
Só quis saber como é
Qual é,
Perna no mundo sumiu

E hoje,
Depois de tantas batalhas
A lama dos sapatos
É a medalha
Que ele tem pra mostrar
Passado é um pé no chão e um sabiá
Presente é a porta aberta
E futuro é o que virá

- de Gonzaguinha,
que hoje me emociona com a trajetória de vida que conta numa única melodia,
e me remete a mim mesma, a lama dos meus sapatos, a porta aberta com o vento que bate, e o futuro que virá, hoje mais incerto que nunca. só espero que o fogo realmente nunca se apague.
e na foto eu e Bernardo, que um dia vai colocar as suas pernas no mundo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vitória nossa de cada dia....


"Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos.

Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de sermos inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.

Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.

E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia"


De Clarice Lispector - do livro "uma aprendizagem ou o livro dos prazeres"
E a foto é minha. Fá, Juju e T, numa caminhada de fim de tarde.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

os degraus


Não desças os degraus dos sonhos
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás de suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco esse nosso mundo…

De Mario Quintana

E a foto é minha, no dia dos pais.
Balanço na árvore, vento no rosto.
Alguma esperança.

domingo, 2 de agosto de 2009

na ponta dos pés o salto


Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.
À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.

Na ponta dos pés o salto.

Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou. Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas.
Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.

.........

À extremidade de mim estou eu.
Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta.
Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo.
E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.
De Clarice Lispector

E a foto é minha. À beira de.
Quase explodindo nessa noite de domingo.
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