sábado, 3 de abril de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
As doenças contemporâneas

Processos de dor não são apenas processos de dor. São etapas. Finas etapas da existência humana, degraus para que alcancemos outros espaços. É preciso estar alerta e consciente para os movimentos de reclusão, os momentos de parada obrigatória, de loucura, dor e confusão. Os seus significados sempre aparecem em longo prazo, quase desconexos com o tempo tão duro enfrentado. Nada é óbvio, e nada é simples.
Vivemos num mundo complexo, de doenças complexas e grandes questões camufladas. Vivemos à margem do instinto de ser homem e mulher, dos ciclos da natureza, das vozes que vem de dentro. Não as ouvimos. Nossos ouvidos estão tampados com falsas seguranças e artificialidades. Nossos olhos enxergam até aonde a vista alcança, deixando escapar a imensidão incompreensível da própria vida. Vícios cotidianos nos afastam uns dos outros, e da conexão com o divino que existe em cada um de nós.
Perdemo-nos, com pesar. E não nos damos conta de que criamos, com isso, um mundo de difícil trânsito e atritos corporais. De brigas pelo que não importa. De agressões descabidas. De violência não natural, de crises não pertinentes, de desconhecimento. Adoecemos.
As doenças pungentes do mundo contemporâneo. As novas e poderosas drogas não dão conta de amenizar o dolorido acúmulo interno de desgastes desnecessários. Tampouco de preencher os vazios existenciais. Desgastes de alma não são curados com pílulas mágicas. Elas aliviam a dor física. Mas as raízes de nossas doenças estão bem além. E, para curarmo-nos, é preciso a nudez. É preciso proteção maior do que a que a medicina pode oferecer. É preciso um mergulho intenso nas profundezas, nas entranhas de nossas estruturas - para que possamos emergir com o essencial. E um longo e tortuoso caminho nos espera até lá, até que consigamos fincar o pé em algo nosso - livre, um pouco, da opressão que nos adoece. Um caminho solitário, de descobertas solitárias e reveladoras do medo maior que nos permeia. Mas enfrentá-lo vale a pena. Sempre vale a pena. Senão serão repetidas doenças, repetidos remédios, repetidas consultas e exames com doutores e mais doutores. E a resposta de alívio não chegará.
Estejamos atentos!
E na foto um bom banho de cachoeira, que captei em Pirenópolis.
sexta-feira, 12 de março de 2010
desistências

Nesses dias de estranheza, em compasso de espera, aprendo algo mais sobre mim mesma. Aprendo a parar a minha natureza de vento, a aquietar o corpo e a mente que apresentam sinais de esgotamento.
Começo a acreditar que as doenças são, de fato, processos de transformação. E transmuto-me no meu medo desconhecido de ser, em busca do meu silêncio. Perco a razão dos homens, em busca de minha própria razão desassistida. Solto algumas amarras, e navego tremendo para algum lugar onde possa ver as cores do pôr-do-sol. Hei de chegar, quando for a hora, no meu próprio porto seguro.
E para tanto é preciso desapegar, desistir de algumas coisas, para que - num futuro próximo - outras possam vir. E que venham mais calmas e condizentes com a simplicidade e leveza que a vida deve ter.
Esse trecho de Clarice Lispector veio em boa hora, para me revelar o dom da desistência:
"Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senào através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória de minha condição. A desistência é uma revelação"
E na foto as cores do entardecer de Brasília, que tem me acompanhado nesses dias difíceis.
segunda-feira, 1 de março de 2010
O novo feminino

Em meio ao turbilhão de acotencimentos cotidianos, às tarefas contemporâneas que esgotam o tempo atrás de dinheiro e estruturas capitalistas - aqui estamos nós, mulheres, correndo de um lado para o outro com os braços cheios de desafios. Desafios que transbordam e vão além, muito além, do que podiam imaginar nossas avós e bisavós. Desafios que nos levam ao desafio maior de sobreviver o feminino e com ele reinventar o que vem a ser mulher, e viver mulher, nesse mundo de grandes brigas com luvas de chumbo.
A concretude matemática do tempo dinâmico, rápido, objetivo, lucrativo - construído para não se ter tempo sobrando, está engolindo-nos. Ao entrarmos nesse jogo - com o peito estufado - ganhamos nosso espaço com competência, mas o que temos colhido em troca, além da independência financeira e o respeito quase desrespeitoso pela mulher vitoriosa?
E na foto o fogão à lenha de Pirenópolis, que nos ofereceu uma saborosa feijoada cozida no tempo do vapor.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Quero ser tambor

Nessa terça-feira especialmente difícil, encontro José Craveirinha - esse grande poema Moçambicano que nos deixou há alguns anos.
Emociono-me com cada letra, no pulsar de seu desejo de ser tambor.
Seu José, hoje também quero ser tambor, e viver as lembranças que remontam a sua terra de pele curtida ao sol.
Meus pensamentos pulam confusos e desejo, apenas, a batida crua de ser tambor.
Não querer, não arder, não resolver, não desafiar. Nada!
Apenas receber as mãos quentes que impulsionam as batidas ritmadas e a alegria de se fazer música.
A alegria de louvar e agradecer.
A alegria do choro comovido libertado depois de tantos anos.
A alegria de ser um único e propulsor tambor, capaz de traçar uma rota invisível de fé e esperança.
É para lá que estou indo.
E deixo um momento que captei no Fórum Social Mundial, ainda com a minha velha Pentax...
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Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
gritando na noite quente dos trópicos
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperado no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
Eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até a consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
Deixa-me ser tambor!
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sensibilidades sem governo

E na foto, que tirei em Santos, o farol da minha infância que já não existe mais. Caiu, derrubado pelos anos e pela erosão da maresia. Hoje resta apenas a lembrança dessa paisagem do canal 6, com seus olhos voltados para a vida praiana.
Vontade de chorar o farol da minha infância, coisa totalmente sem governo...
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
mamãe coragem

Já disse sabiamente Torquato Neto, na sua famosa composição "mamãe coragem".
Pois é mães, é preciso coragem. Desbravar o universo intenso de emoções e questões que é gerar e criar um filho, é tarefa das mais sólidas. É tarefa de uma vida. Sorrio ao pensar que estou nessa, com todos os pesares e alegrias. E com todos os mistérios dos quais somos feitos.
O cansaço do corpo me lembra que envelheço - ao mesmo tempo em que a circularidade do tempo me ensina rejuvenecer. E rejuveneço ao sentir esses dois olhinhos que me olham firmes e vibrantes, e que me chamam de mãe frente à descoberta do mundo.
Coragem sim, coragem. Para cada passo que nos leva adiante.
E deixo essas linhas com outro poema de Torquato Neto - Cogito, no qual me cogito frente à imensidão do desconhecido.
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
E a foto plácida que tirei do anoitecer em Pinguinguaba me lembra do vai-e-vem das ondas, que segue infinitamente vindo de um horizonte sem endereço.