sexta-feira, 29 de maio de 2009

Música da Lagoa

Hermeto fazendo música, e vivendo música.
Como deveria ser. Simples e verdadeiro.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Estou cansada. De fato, estou cansada.

..........

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.



De Álvaro de Campos
E a foto é minha. Bob e Mara, nossos ex-vizinhos, num momento de paz.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O que vejo de longe, é o que ainda não vivi?


“Com as virtudes que esqueci
Posso fazer-me um traje novo?”

“é verdade que no formigueiro
Os sonhos são obrigatórios?”

“é verdade que as esperanças
Devem regar-se com orvalho?”

“e uma palavra não se arrasta
Às vezes como uma serpente?”

“em que janela fiquei
Olhando o tempo sepultado?”

De Pablo Neruda, do Livro das Perguntas.
E a foto é minha. Cultura Popular aqui no DF

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Somando as incompreensões é que se ama


.....E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto.

E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante......

Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer.....

... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.

É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão....


Trechos de "Perdoando Deus"

Clarice Lispector
E a foto é minha. Cenas do fim de tarde no planalto central


segunda-feira, 18 de maio de 2009

viva as quartas-feiras


"Que bobagem falar que é nas grandes ocasiões que se conhece os amigos! Nas grandes ocasiões é que não faltam amigos. Principalmente neste Brasil de coração mole e escorrendo. E a compaixão, a piedade, a pena se confundem com amizade. Por isso tenho horror das grandes ocasiões. Prefiro as quartas-feiras”.


de Mario de Andrade

não sei quem tirou a foto. mas o dia de amigos foi ótimo. eu, Be, Kiara, Luiza, Tetê e Guta, ainda grávida.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

"...Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga.
Fui recebendo em mim um desejo que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira— só meu companheiro amigo desconhecido. Escondido enrolei minha sacola, aí tanto, mesmo em fé de promessa, tive vergonha de estar esmolando. Mas ele apreciava o trabalho dos homens, chamando para eles meu olhar, com jeito de siso. Senti, modo meu de menino, que ele também se simpatizava a já comigo."


De Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas

Riobaldo e Diadorim





E a foto é minha. Bernardo, meu menino maluquinho.

sábado, 9 de maio de 2009

o nome dos poetas populares....

A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo o conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó
E ao chegar aqui abriram o nó
E foi como se ela saísse do ovo
A poesia recebeu sangue novo
Elementos deveras salutares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo

Os livros que vieram para cá
O Lunário e a Missão Abreviada
A donzela Teodora e a fábula
Obrigaram o sertão a estudar
De repente começaram a rimar
A criar um sistema todo novo
O diabo deixou de ser um estorvo
E o boi ocupou outros lugares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo

No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá pena
A escola devia ensinar
Pro aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu louvo
São vates de muitas qualidades
O aluno devia bater palma
Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor idade
O nomes dos poetas populares
.....
Maria Bethânia deu voz e alma a esse poema de Antônio Vieira.
Que deveria estar na boca do povo.
DONA MARIA DO BATUQUE
Essa é a Dona Maria do Batuque.
São sei se ainda está viva, mas é certo que o som dos seus tambores ainda ecoa em São Romão, interior de Minas Gerais, uma pequena cidade esquecida pelo tempo, às margens do Rio São Francisco.
Tive o prazer de conhecê-la durante uma viagem pelo interior do Brasil. Foi uma viagem transformadora, onde tive o privilégio de viver um Brasil que não conhecemos pela televisão e pela realidade das grandes cidades. Um brasil de pé no chão, chão de terra. De dias longos, de horizonte largo, de necessidades que não compreendemos.
Um Brasil humilde, de gente seca pelo clima do sertão. Gente que espera, ajoelha e reza, com resignação. Mas gente de indizível beleza humana. E de grande sabedoria, que não vem com a leitura de livros ou com os ensinamentos da ciência. Sabedoria sobre as coisas da vida, aprendidas pelo simples viver da realidade.
Dona Maria do Batuque leva adiante uma tradição que aprendeu com seus avós: o batuque. Uma tradição popular que leva às ruas da pequena cidade a música e a dança do batuque, para ser compartilhada por todos. Tomamos um café com ela que, junto com seus netos, nos mostrou o que sabia sobre a cultura popular de sua região. Afinou seus tambores, e com a voz rouca pela idade avançada, cantou as canções que vêm de outras gerações. E as crianças, todas, seguiram a mesma melodia popular, batendo os tambores e cantarolando as rimas dos antepassados, tão atuais como as músicas que tocavam no rádio de pilha.
Dona Maria do Batuque deveria estar na boca do povo.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Rilke

“Não é apenas a preguiça que faz as relações humanas se repetirem numa tão indizível monotonia em cada caso;
é também o medo de algum acontecimento novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes.
Somente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o fundo de sua existência".
de Rainer Maria Rilke

terça-feira, 5 de maio de 2009

Bem no fundo

No fundo, no fundo, bem lá no fundo,
a gente gostaria de ver
nossos problemas resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada, e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.



De Paulo Leminki

E a foto é minha. Bil, Be, Ju, Theo e Nina num passeio de domingo

domingo, 3 de maio de 2009

Orquestra Popular de Câmara

Perdi as contas de quantas vezes assisti a Orquestra Popular de Câmara às quartas-feiras à noite, no Supremo Musical, em São Paulo.
Eram noites deliciosas. Cada semana levava um amigo diferente, precisava compartilhar aqueles momentos musicais com todo mundo que gostava.
O espaço era pequeno, aconchegante, e a música tomava conta de tudo. Criava-se uma atmosfera incrível, as notas preechiam todos os espaços, dentro e fora da gente.
Um copo de vodca, um bom papo, e música instrumental brasileira da mais alta qualidade.
ô saudade!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Tenho tantas vontades. Sou cheia delas.
Inundam-me diversas facetas de mim mesma.
Tantos contraditórios em carne viva.

Mas já aprendi que a escolha é a única saída possível.
E que a gente arde, sempre, seja qual for o caminho.

Quanto mais vivo, limito-me,
para caber em mim.
Permito-me a dúvida,
E a contingência.
Para respirar dentro do pequeno espectro possível.




Essa sou eu. A lente é do Bil, que muito me vê.

às vezes me pergunto porque não fui viver de música.
tem coisa melhor?