quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Pregos enferrujados
Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais – o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter.
- Manoel de Barros -
Inspiro ar aos pulmões com a poesia de Manoel de Barros. Olho ao redor e inundo-me de urgências de TER. Sufoco-me. Sofro as mesquinharias daqueles que pulsam em nome de TER. Um TER que não tem barreiras. Daqueles que se esquecem que SÃO, em meio a outros que também SÃO, com a existência sagrada que respira o caminhar dos dias. Existência essa tão negligenciada. Tão esquecida em meio a uma existência concreta de funcionalidades capitalistas. De status quo de papel.
Eu quero é continuar catando meus pregos enferrujados.
E na foto um registro dos meus pequenos buscando sentido em formigas, pedras e flores de jardim.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
O diário de Silvia
Isso prova que, como todo o mundo, tenho dupla personalidade.
Agora sou a que escreve e depois serei a que lê.
Tenho muitas Sílvias dentro de mim. Cada vez que eu reler essas páginas, serei outra.
E cada uma dessas outras será diferente da que escreveu. E mesmo a que escreveu não foi sempre a mesma, mas várias. Isso tudo me alarma um pouco..."
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Delicadezas do cerrado
"Então, de repente, sem pretender, respirou fundo e pensou que era bom viver. Mesmo que as partidas doessem, e que a cada dia fosse necessário adotar uma nova maneira de agir e de pensar, descobrindo-a inútil no dia seguinte - mesmo assim era bom viver. Não era fácil, nem agradável. Mas ainda assim era bom. Tinha quase certeza."
De Caio Fernando Abreu
E na foto uma das delicadezas do cerrado, que me chegam de repente, a me encantar a alma. E assim sigo, quase com certeza do caminho que se abre.
domingo, 3 de outubro de 2010
Erupções
sábado, 25 de setembro de 2010
Desconstruída
Recebi como resposta este trecho da Clarice Lispector de uma amiga querida. É, faz todo sentido neste momento da vida.....
Compartilho:
"Estou desorganizada. (...)
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira que vivo. (...) Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?”
E na foto as minhas paisagens também desorganizadas pela seca. Esperando que se faça o verde novamente.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Como me sinto?
Hilda Hist
Sim, é como me sinto nessas semanas de mergulho em águas densas......
E a foto que deixo capta um momento de vizinha, no fim de tarde encantado do cerrado
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Silêncios
Ando permeada de silêncios. Imensos espaços vazios. Reticências. Travessões sem falas desmedidas.
Fundamental calar a voz. Deixar os sentimentos pulsarem livremente, sem traduções.
Apenas sentir. Ouvir o silêncio que se ergue cuidadoso, zelando pelo pulsar do peito.
Silêncio branco. Silêncio de muitas faces. Silêncio meu.
Silêncio que colho com os dedos molhados, que tocam a terra fecundada pelas indagações da vida-vivida.
Deixo um poema do Manoel de Barros, que lindamente fotografa o silêncio com poesia. E a foto que tirei de uma de minhas paisagens santistas, que tanto abrigou meu silêncio junto ao mar.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
pelos caminhos que ando
sexta-feira, 21 de maio de 2010
minha vertigem clariciana
Era como se estivesse, enfim, nua. Nua e só, diante de um imenso abismo. Sentia a vertigem, à beira do barranco, e meus pés fincados no chão. Mais um passo, e era o pulo. Os pés latejavam, ardiam. Eu sempre tive uma relação de atração e repulsa com as vertigens, e esse magnetismo vibrava com uma intensidade eletrificada. Tremia de medo, e me aproximava do escuro. Busquei alguém, uma voz, um ombro, uma lanterna mas, esse pulo só se dá sozinha - e no breu. Não se pode iluminar o que está por vir, não há lanterna que alcance o desfecho da queda.
Chorei um choro sentido, por dias e dias. Um choro inconsciente, de raízes profundas. Lavei os cabelos e guardei a água que sobrou. Foi ela que me nutriu nos tempos de náusea. Eu estava longe, longe, e via meu filho apenas com os olhos do amor. Sentia com os poros, com as pontas dos dedos, com os ouvidos aguçados para os sons que vem de dentro. Se fosse possível descrever, diria que estava em outra dimensão temporal. Mas toda descrição é efêmera. E o medo é um vulto enorme de garras afiadas.
Quem era eu, enfim? O que é o ego diante desse imenso buraco fosco? Não sabia mais o que me compunha, até que me acostumei com o medo de não saber. Ele passou a ser um aliado. Com os olhos fechados, e envolta pelo medo companheiro, desgarrei os pés do chão. Os pés estavam quentes, e o ar gelado impulsionou o passo. Pulei. Um único e certeiro pulo. Um só minuto e lá estava eu, escorregando pelo buraco de mim mesma, pulsando em queda livre.
E a queda tem sido lenta. Às vezes me agarro em alguns galhos de árvores que me remetem a terra firme. Mas não temo mais a vertigem, vivo-a. Espero chegar em pé sobre as duas pernas - pernas firmes para trilhar um novo caminho mais cheio de mim mesma.
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Na foto está a Tati, uma menina muito querida, em nossa viagem vertiginosa pelo interior do Brasil. Tirei no alto da Serra da Capivara - Piauí. E abaixo, deixo um trecho da Clarice Lispector, que faz eco interior nesse momento:
"Os rituais eram as minhas muletas de aleijada. Mas eis que resolvi jogar para longe de mim, e se perderam no espaço infinito de Deus, as muletas. Morri de medo de cair e nunca mais poder me levantar. Como viver sem os rituais da vida? Sem os hábitos? Então, de dentro de meu medo, surgiu-me uma mulher de pé sobre as duas pernas, e esta mulher era eu - eu sozinha. E foi sozinha que dei os primeiros passos. Trêmula de medo diante de minha ousadia e solidão. Então resolvi criar em mim a nudez. E uma certa luz de verdade nasceu em mim. Não sei dizer qual era a verdade. Era apenas luz de visão, apenas, mas para mim mesma suportável".
domingo, 16 de maio de 2010
O essencial faz a vida valer a pena
Essa semana só consegui pensar nesse texto do Rubem Alves: O tempo e as jabuticabas.
De volta à ativa, a pergunta: "para que mesmo?!", me veio muitas vezes à cabeça.
O tempo corre e me vejo como a menina do texto de Rubem.
Quero roer o caroço do que importa. Do que vale a pena. Da matéria de que é feita a vida.
E ao olhar ao redor vejo minha saúde sendo consumida pelas mesmas mesquinharias, egos e mediocridades de que fala o texto.
Mas hei de voar, e me libertar das amarras que hoje prendem meus pés aos pés de gente que perde o essencial da vida em troca de poder, dinheiro, politicagens e outras podres ilusões.
Aqui vai o texto. E a foto que tirei ontem, da pequena amiga Betina, me traz a alegria do que vale a pena.
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Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.
domingo, 11 de abril de 2010
Bernardo é quase árvore
Só por esse poema do Manoel de Barros, que descobri recentemente, teria escolhido o nome do meu filho.
Ele caiu como uma luva no meu amor de mãe, iluminando o brilho dos meus olhos ao ver meu pequeno homem forte como um urso.
Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:
um abridor de amanhecer
um prego que farfalha
um encolhedor de rios – e
um esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada). Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)
E na foto um momento que captei do meu Bernardo, misturando-se com a instalação de arte para crianças.
sábado, 3 de abril de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
As doenças contemporâneas
Processos de dor não são apenas processos de dor. São etapas. Finas etapas da existência humana, degraus para que alcancemos outros espaços. É preciso estar alerta e consciente para os movimentos de reclusão, os momentos de parada obrigatória, de loucura, dor e confusão. Os seus significados sempre aparecem em longo prazo, quase desconexos com o tempo tão duro enfrentado. Nada é óbvio, e nada é simples.
Vivemos num mundo complexo, de doenças complexas e grandes questões camufladas. Vivemos à margem do instinto de ser homem e mulher, dos ciclos da natureza, das vozes que vem de dentro. Não as ouvimos. Nossos ouvidos estão tampados com falsas seguranças e artificialidades. Nossos olhos enxergam até aonde a vista alcança, deixando escapar a imensidão incompreensível da própria vida. Vícios cotidianos nos afastam uns dos outros, e da conexão com o divino que existe em cada um de nós.
Perdemo-nos, com pesar. E não nos damos conta de que criamos, com isso, um mundo de difícil trânsito e atritos corporais. De brigas pelo que não importa. De agressões descabidas. De violência não natural, de crises não pertinentes, de desconhecimento. Adoecemos.
As doenças pungentes do mundo contemporâneo. As novas e poderosas drogas não dão conta de amenizar o dolorido acúmulo interno de desgastes desnecessários. Tampouco de preencher os vazios existenciais. Desgastes de alma não são curados com pílulas mágicas. Elas aliviam a dor física. Mas as raízes de nossas doenças estão bem além. E, para curarmo-nos, é preciso a nudez. É preciso proteção maior do que a que a medicina pode oferecer. É preciso um mergulho intenso nas profundezas, nas entranhas de nossas estruturas - para que possamos emergir com o essencial. E um longo e tortuoso caminho nos espera até lá, até que consigamos fincar o pé em algo nosso - livre, um pouco, da opressão que nos adoece. Um caminho solitário, de descobertas solitárias e reveladoras do medo maior que nos permeia. Mas enfrentá-lo vale a pena. Sempre vale a pena. Senão serão repetidas doenças, repetidos remédios, repetidas consultas e exames com doutores e mais doutores. E a resposta de alívio não chegará.
Estejamos atentos!
E na foto um bom banho de cachoeira, que captei em Pirenópolis.
sexta-feira, 12 de março de 2010
desistências
Nesses dias de estranheza, em compasso de espera, aprendo algo mais sobre mim mesma. Aprendo a parar a minha natureza de vento, a aquietar o corpo e a mente que apresentam sinais de esgotamento.
Começo a acreditar que as doenças são, de fato, processos de transformação. E transmuto-me no meu medo desconhecido de ser, em busca do meu silêncio. Perco a razão dos homens, em busca de minha própria razão desassistida. Solto algumas amarras, e navego tremendo para algum lugar onde possa ver as cores do pôr-do-sol. Hei de chegar, quando for a hora, no meu próprio porto seguro.
E para tanto é preciso desapegar, desistir de algumas coisas, para que - num futuro próximo - outras possam vir. E que venham mais calmas e condizentes com a simplicidade e leveza que a vida deve ter.
Esse trecho de Clarice Lispector veio em boa hora, para me revelar o dom da desistência:
"Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senào através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória de minha condição. A desistência é uma revelação"
E na foto as cores do entardecer de Brasília, que tem me acompanhado nesses dias difíceis.
segunda-feira, 1 de março de 2010
O novo feminino
Em meio ao turbilhão de acotencimentos cotidianos, às tarefas contemporâneas que esgotam o tempo atrás de dinheiro e estruturas capitalistas - aqui estamos nós, mulheres, correndo de um lado para o outro com os braços cheios de desafios. Desafios que transbordam e vão além, muito além, do que podiam imaginar nossas avós e bisavós. Desafios que nos levam ao desafio maior de sobreviver o feminino e com ele reinventar o que vem a ser mulher, e viver mulher, nesse mundo de grandes brigas com luvas de chumbo.
A concretude matemática do tempo dinâmico, rápido, objetivo, lucrativo - construído para não se ter tempo sobrando, está engolindo-nos. Ao entrarmos nesse jogo - com o peito estufado - ganhamos nosso espaço com competência, mas o que temos colhido em troca, além da independência financeira e o respeito quase desrespeitoso pela mulher vitoriosa?
E na foto o fogão à lenha de Pirenópolis, que nos ofereceu uma saborosa feijoada cozida no tempo do vapor.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Quero ser tambor
Nessa terça-feira especialmente difícil, encontro José Craveirinha - esse grande poema Moçambicano que nos deixou há alguns anos.
Emociono-me com cada letra, no pulsar de seu desejo de ser tambor.
Seu José, hoje também quero ser tambor, e viver as lembranças que remontam a sua terra de pele curtida ao sol.
Meus pensamentos pulam confusos e desejo, apenas, a batida crua de ser tambor.
Não querer, não arder, não resolver, não desafiar. Nada!
Apenas receber as mãos quentes que impulsionam as batidas ritmadas e a alegria de se fazer música.
A alegria de louvar e agradecer.
A alegria do choro comovido libertado depois de tantos anos.
A alegria de ser um único e propulsor tambor, capaz de traçar uma rota invisível de fé e esperança.
É para lá que estou indo.
E deixo um momento que captei no Fórum Social Mundial, ainda com a minha velha Pentax...
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Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
gritando na noite quente dos trópicos
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperado no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
Eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até a consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
Deixa-me ser tambor!
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sensibilidades sem governo
E na foto, que tirei em Santos, o farol da minha infância que já não existe mais. Caiu, derrubado pelos anos e pela erosão da maresia. Hoje resta apenas a lembrança dessa paisagem do canal 6, com seus olhos voltados para a vida praiana.
Vontade de chorar o farol da minha infância, coisa totalmente sem governo...
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
mamãe coragem
Já disse sabiamente Torquato Neto, na sua famosa composição "mamãe coragem".
Pois é mães, é preciso coragem. Desbravar o universo intenso de emoções e questões que é gerar e criar um filho, é tarefa das mais sólidas. É tarefa de uma vida. Sorrio ao pensar que estou nessa, com todos os pesares e alegrias. E com todos os mistérios dos quais somos feitos.
O cansaço do corpo me lembra que envelheço - ao mesmo tempo em que a circularidade do tempo me ensina rejuvenecer. E rejuveneço ao sentir esses dois olhinhos que me olham firmes e vibrantes, e que me chamam de mãe frente à descoberta do mundo.
Coragem sim, coragem. Para cada passo que nos leva adiante.
E deixo essas linhas com outro poema de Torquato Neto - Cogito, no qual me cogito frente à imensidão do desconhecido.
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
E a foto plácida que tirei do anoitecer em Pinguinguaba me lembra do vai-e-vem das ondas, que segue infinitamente vindo de um horizonte sem endereço.