terça-feira, 29 de setembro de 2009

o importante é que a nossa emoção sobreviva


Sigo um tempo de sentimentos desconexos. E à flor da pele.
Os últimos acontecimentos e ventos fortes me arrebataram.
Tempos de tempestade mexem com as estruturas, e é bom que seja assim.
Chega um tempo em que é preciso descontruir.
Repensar, remodelar, renascer. Enfrentar a dor.
Perco de vista tantas coisas que me pareciam certas. O amor, o caminho, o aconchego, a meta. Navego no escuro. E com essa enorme interrogação estampada no peito.

Mas a boa notícia é que estou intensa, viva, latente. E atenta aos sinais que me chegam.

Hoje acordei cantando os versos de Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin, que me sopram aos ouvidos: o importante é que nossa emoção sobreviva.
Não é mesmo?

É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar

Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva

E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar

E a foto eu tirei no CCBB aqui em Brasília, durante uma exposição de arte para crianças.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ele mesmo, cansaço


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

De Álvaro de Campos

E a foto é da Flávia Vivacqua, numa viagem que fizemos juntas para o sítio de um amigo. Saudades dos amigos.
E cansada demais para escrever ou pensar mais de duas linhas.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Labirintos


"Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações.

Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos.

Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto"

De Jorge Luiz Borges
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E na foto um auto-retrato, na exposição do Amilcar de Castro para crianças.

Eu, que venho entrando e me perdendo em tantos labirintos, sem saber como sair.
Mas, por enquanto, não procuro as saídas de emergência. Procuro um melhor jeito de andar por entre as paredes e corredores que se abrem. Procuro o caminho.
Olho para o céu. Imenso. As estrelas apontam direções diversas.
E eu sigo uma voz que vem de dentro.

Meu coração está vivo. E é o que me move.
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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Novos Baianos - Arquivo

Fantástico registro dos novos baianos!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

......
Canta, espanta os males sem demora
Fecha os olhos quase chora
E nessa hora sente que é feliz
........

versos de Eduardo Gudin
que hoje cantei de olhos bem fechados

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O lugar a que pertenço


"Aquela solidão, há vinte anos conquistada, não se deve tornar uma exceção, umas "férias" que eu, por meio de muitas justificações, teria de pedir a uma felicidade vigilante. Tenho de viver ilimitadamente nela. Ela deve permanecer a consciência fundadora à qual posso sempre retornar, não com a intenção de lhe tirar repentinamente algum proveito imediato, não com a expectativa de que ela me seja fecunda; antes, de modo espontâneo, discreto, inocente: como o lugar a que pertenço"


Rainer Maria Rilke, do livro O testamento.
E na foto, um auto-retrato, no fim de tarde nos arredores de casa.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Nosso processo de desmame

Estamos em processo de desmame. Sim, está acontecendo. Depois de 2 anos e 8 meses, eu e Bernardo começamos a nos despedir dessa relação intensa que travamos através dos seios. Foram seis meses de amamentação exclusiva, e outros tantos de conforto, amor e nutrição através do leite materno, que lhe dava forças para descobrir o mundo e ganhar a sua independência.

Foram muitos momentos. Tivemos noites difíceis, choros na madrugada, peito feito de chupeta, peito para consolo, peito para carinho. Tivemos também muitos dias de mãe cansada, filho doente grudado no peito, filho feliz grudado no peito, mãe orgulhosa, mãe desesperada por umas horas de sono, enfim. Tivemos muitas horas e momentos conectados pela amamentação, que foram fundamentais para a mãe e filho que somos hoje. E, olhando para trás, não tem sentimento melhor do que saber que dei ao meu filho o melhor que podia dar, além de todo o meu amor e carinho: o meu leite. Isso supera todas as dificuldades e noites mal dormidas. E tenho certeza que esse vínculo conquistado permanecerá para o resto das nossas vidas, consciente ou inconscientemente. E digo: peito demais não faz mal algum. Peito demais nunca é demais.

Hoje sinto que é o momento de iniciarmos um novo processo. Começamos, devagar, a nos relacionarmos sem o peito. No início tirei algumas mamadas. Depois outras. Ficamos de manhã e a noite, e conversamos muito. Todos os dias Bernardo ouvia e falava sobre o desmame. Até que, de fato, colocamos em prática, quando senti que ele estava maduro e preparado para este passo. Há dois meses atrás ele não estava. Agora sinto que sim, ele está, e eu estou feliz por vê-lo crescer seguro e confiante. Estamos assim: tem dias que ele mama para dormir, e dias que não mama. Dias em que acorda e mama, e dias em que acorda e não mama, e devemos seguir nesse ritmo alguns meses. Ele faz carinho no peito, abraça, pede para ver, beija, diz tchau. E assim vamos caminhando, com muita naturalidade. Sem choros incansáveis, sem choro assistido, sem escândalos, sem soluços. Como eu gostaria que fosse: um processo inevitável, que aconteceria quando fosse a hora, sem gerar traumas, aflições, angústias e, principalmente, sem pressa. Bonito e carinhoso, como toda a nossa jornada até aqui.

Toda criança, bem como toda mãe, tem o seu tempo - só seu, para se despedir do peito. Um tempo que não tem regras pré-estabelecidas, um tempo que só pode vir de dentro de cada um. Como um fruto maduro que cai da árvore quando está pronto para ser colhido. Como um bichinho que ganha o mundo sem sua mãe, quando está pronto para enfrentar sozinho a natureza. Por aqui vamos fazendo o nosso tempo.