segunda-feira, 1 de março de 2010

O novo feminino


O esgotamento dessa semana me fez pensar no que vem a ser o novo feminino, em tempos atuais. Nós, mulheres, depois de tantos anos de opressão pelo masculino, conseguimos a duras penas respeito e igualdade na sociedade. Uma igualdade ainda desigual, mas que grita alto a injustiça de anos e anos de um masculino exacerbado que ainda se insiste dominante. E esse grito faz eco, deixando para trás o preconceito que ofuscava o potencial feminino e trancava as mulheres às tarefas domésticas e serviçais.


Os bons ventos - impulsionados pelos movimentos feministas e de direitos humanos - trouxeram a mulher para dividir espaço no centro da política, na condução das empresas, nos altos cargos, na coordenação das mais diversas atividades que hoje permeiam nosso tempo. Temos mulheres presidentes, mulheres prefeitas, mulheres empresárias, mulheres aventureiras, mulheres livres. Mulheres bem sucedidas em vários campos, até como solteiras devotas à boa solidão da independência conjugal. Mulheres que se afirmam, que lutam, que falam de igual para igual. E que trazem outros ares para as relações profissionais, diplomáticas, financeiras e afins. Meus olhos brilham e admiram o feminino que vejo crescer, e que desde sempre sonhei em ver florescer ver no mundo.


Mas, respiro intrigada....para onde vamos? Para onde estamos conduzindo nossa essência feminina?

Em meio ao turbilhão de acotencimentos cotidianos, às tarefas contemporâneas que esgotam o tempo atrás de dinheiro e estruturas capitalistas - aqui estamos nós, mulheres, correndo de um lado para o outro com os braços cheios de desafios. Desafios que transbordam e vão além, muito além, do que podiam imaginar nossas avós e bisavós. Desafios que nos levam ao desafio maior de sobreviver o feminino e com ele reinventar o que vem a ser mulher, e viver mulher, nesse mundo de grandes brigas com luvas de chumbo.


E é preciso reinventar. O cansaço do meu corpo me lembra que estou vivendo, como muitas, com saudade de ser mulher, de transpirar meu próprio sangue, de intuir, acalentar, amamentar, cuidar das sementes, dos filhos, das plantas, dos outros. Saudades de gestar e parir, no tempo certo, o que venho a deixar no mundo. Saudades de viver os ciclos, de conviver com o desconhecido que carrego dentro do útero, de ter tempo para os meus - um tempo livre do relógio, capaz de suprir a necessidade da partilha.


Saudades do tempo da cozinha, em que o alimento se transforma calmamente em energia. Saudades de viver a estranheza dos períodos de tensão, de me saber mulher-bicho sem pressa da dor passar. Saudades do amor materno, de ensinar e aprender o que não se lê em livros e não vem escrito na tela do computador. Saudades de dormir sem despertar correndo, de fazer o café-pão-quente, de dar à luz ao meu próprio dia.


Mulheres podem ou não ter filhos nascidos de seus ventres, isso não importa. Todo o feminino é também mãe, e demanda um outro tempo - capaz de viver a incompreensão do amor e a necessidade do cuidar. Todo o feminino é composto de muitas, muitas mulheres numa só - mulheres que choram sem razão e que são brutas com uma terrível sensibilidade incompreensível. Mulheres que precisam de seus tempos não lineares, para além de 8 horas diárias, para que desabrochem a feminilidade que não nasce agendada. Olho ao meu redor, e vejo com tristeza que hoje o tempo mulher é um tempo partido.

A concretude matemática do tempo dinâmico, rápido, objetivo, lucrativo - construído para não se ter tempo sobrando, está engolindo-nos. Ao entrarmos nesse jogo - com o peito estufado - ganhamos nosso espaço com competência, mas o que temos colhido em troca, além da independência financeira e o respeito quase desrespeitoso pela mulher vitoriosa?


Quase sem respirar essa semana, vi meu feminino sufocado lá atrás de mim.Eu, que sempre me quis independente e lado a lado com qualquer masculino que atravessasse meu caminho, vejo hoje a fragilidade das minhas pernas cansadas. E humildemente peço ao homem que me ajude a levantar. Abro os olhos para a minha fragilidade de viver esse tempo presente, com tudo que ele me exige, e peço que essa noção seja meu guia, minha espada e minha força para ir adiante.Saber-me frágil e, ao mesmo tempo, capaz de voar e de carregar o mundo nas minhas asas de mãe, faz com que meu feminino tome fólego para seguir em frente, buscando um novo espaço para ser, em meio aos tantos obstáculos de pedra que tenho que cruzar no meu trajeto diário.


Li num livro de entrevistas com Simone de Beavouir - essa mulher que tanto disse sobre o feminino - que ela não acreditava na mudança da posição da mulher na socidade, antes de haver uma mudança estrutural nesta própria sociedade. Convenço-me de suas sábias palavras. Igualdade e respeito ao feminino só pode existir em um outro mundo possível. E cabe a nós, mulheres, gestá-lo e parí-lo.

E na foto o fogão à lenha de Pirenópolis, que nos ofereceu uma saborosa feijoada cozida no tempo do vapor.

8 comentários:

  1. Oi, Silvia, vim aqui agradecer o comentário e a presença de vcs na festa e me deparei com este post tão bem escrito e tão verdadeiro, que lindo!
    Beijos

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  2. Suspiros e mais suspiros pensativos daqui!
    Excelente post querida!

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  3. Querida,

    Não há regra para a felicidade:conheço um tanto de mãe que fica em casa e não se sente feliz, outro tanto que está fora de casa e gostaria de estar com os filhos; outras que investiram tudo na cerreira e nem filhos tem e sofrem, algumas que acham que os filhos tiraram o brilho da vida.

    A grande lição que existe é aproveitar o presente. A gente sempre quer mudar alguma coisa: o corpo, a mente, o espírito, nossa rotina. A felicidade não está em nenhum destes lugares. O teu surto talvez seja um sinal: olhe para vc. Onde está seu esgotamento? No trabalho? Negocie, tome as rédeas da sua vida. A vida é uma passagem e temos que aprender nesta viagem. A maternidade é doar-se. Aì é a hora de saber onde se recarregar.

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  4. Querida Xu!
    Antes de ser um desabafo, esse texto é uma constatação. O amadurecimento traz isso. Cabe a vc selecionar o que mais pesa na sua vida, pra poder mensurar a real importância das coisas.
    Num tempo lá atrás, troquei meu masculino pelo meu total feminino e usufruo dele até hoje com toda a força que ele me dá.
    Que vc consiga encontrar um equilíbrio na sua vida e dentro de vc. Bjs Tia Lena

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  5. olá querida irmã.....
    Sendo sintético...o maior problema é que a nova mulher não veio acompanhada de novos homens....rsrsrsrsrsrsrsrs.....
    Saudades absurdas!!!!!
    Seu irmão desta e de outras vidas....

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  6. Recebi este comentário do amigo Walter wiedemannn no email, e posto aqui!

    Sentimos nossa dor de espécie e gênero quando aviltamos a vida que nos vive.
    É verdade que o mundo construido e destruido pelo humano tem a cabeça, a fala e a atitude dos homens. Em boa parte cumpliciado com as mulheres.
    Saudáveis as mulheres que denunciam o contrato da codependência e conquistam a autogestão de suas vidas parcerizando afetiva e demais mentes-corpos com mais alguém, alguns ou ninguém aquilo que deveria ser uma viagem criativa e vital pelo existir neste mundo.
    Convido os homens a nos ombrearmos com estas mulheres.
    A parte nas mulheres que eventualmente deixa-se co-optar pela forças remanescentes da tradição machista, adotando suas crenças, falas e expedientes em nada contribue para a mudança´para melhor do atual estado da arte.
    Pelo contrário, reforçam os mecanismos mutilantes do separatismo, da exclusão e da competitividade predatória, egoísta.
    Como humano e homem assumo 100% a co-autoria por tudo que se passa neste mundo para o bem e para o mal.
    Não sendo 100% bom, nem 100% mau, considero-me suficiente e necessariamente honesto para reconhecer em mim as dores do mundo, encontrar em mim as suas causas e curas.
    Bem como encontrar as belezas, virtudes e pazeres do mundo em mim. Não é fácil combinar beleza com prazer e virtude, será que dá?
    Quando compartilho, ouço, acolho e transmuto renasço em compaixão, esclarecimento e sabedoria; principio a habilitar-me à convivência amiga, amorosa. Busco aceitar-me forte e frágil.
    O que levo dentro projeto fora.

    Bem vinda ao clube, sem carteirinha ou título.

    beijos

    Walter

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  7. Oi, Ni!

    Não acredito em "masculino" ou "feminino"...
    Acredito nas pessoas e no amor entre elas, sem importar o sexo. Na verdade as mulheres não mudaram, elas continuam na batalha por seus anseios, na busca pela felicidade, inerente a qualquer ser humano. Os homens sim sofreram uma mutação imensa, principalmente os provindos da “nova safra”. Perderam-se diante da, tão sonhada, “independência” feminina, se amedrontaram, se acomodaram... Já não se preocupam em nos proteger, querem proteção, não se importam com a igualdade entre ambos, desde que não tenham que assumir nossas tarefas.

    A mulher lutou tanto para conquistar um espaço que só era permitido para os homens justamente por admirar aquela posição de poder, respeito e liberdade. No entanto, não apenas chegou ao patamar desejado, mas, muitas vezes, o ultrapassou. Aí, de repente, algo parece ter dado errado e ela se pergunta: mas isso era mesmo o que eu queria?
    De qualquer maneira, esse é um caminho sem volta. Temos agora que reaprender a conviver com essa “nova safra”, mesmo porque essa geração “masculina” talvez também queira menos responsabilidades, mais parceria, colo... quem não quer??
    Mas tem que haver muito companheirismo e cumplicidade. Qualquer relação onde a unilateralidade impera está fadada ao fracasso, que às vezes pode até significar... sucesso, pois não dá pra ser feliz com alguém infeliz ao seu lado!

    O fato é que, não importa se homem ou mulher, o negócio é se posicionar diante de tudo que te afeta e te faz infeliz ou, te impede de ser. Siga em frente, sem medo!
    Respire fundo e não deixe que essas conquistas pareçam ter perdido o seu valor. Nada é mais importante do que a nossa liberdade de poder escolher. Toda mudança de paradigma gera uma pressão e você está na comissão de frente desse novo mundo, é uma desbravadora.

    Dentro de qualquer relacionamento há de haver carinho e cuidado com o outro, principalmente se esse outro é a sua família.
    Não sucumba ao medo e não aceite menos do que você merece. Você merece ser respeitada e admirada, qualquer suposta avaliação de desrespeito à sua conquista merece desprezo. Só nós sabemos o que vale a pena em nossas vidas, só nós podemos dar um “basta” em nossas agonias, afinal, as rédeas estão em nossas mãos.
    Não desista, pois o “mundo possível” é aqui e agora. Não acredite no descaso de quem quer te enfraquecer, esse é apenas um disfarce de quem é pequeno, mas precisa, por pura incompetência, se mostrar maior do que você.

    Seja feliz, meu amor!
    bj

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