quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pregos enferrujados


Um homem catava pregos no chão.

Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais – o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter.
 - Manoel de Barros -

Inspiro ar aos pulmões com a poesia de Manoel de Barros. Olho ao redor e inundo-me de urgências de TER. Sufoco-me. Sofro as mesquinharias daqueles que pulsam em nome de TER. Um TER que não tem barreiras. Daqueles que se esquecem que SÃO, em meio a outros que também SÃO, com a existência sagrada que respira o caminhar dos dias. Existência essa tão negligenciada. Tão esquecida em meio a uma existência concreta de funcionalidades capitalistas. De status quo de papel.
Eu quero é continuar catando meus pregos enferrujados.

E na foto um registro dos meus pequenos buscando sentido em formigas, pedras e flores de jardim.

Um comentário:

  1. "As coisas tinham para nós uma desutilidade poética.
    Nos fundos do quintal era muito riquíssimo o nosso dessaber.
    A gente inventou um truque para fabricar brinquedos com palavras.
    O truque era só virar bocó.
    Como dizer: Eu pendurei um bentevi no sol..."
    (manoel de barros, livro sobre o nada)
    que os pregos continuem cinzelando poesias, e o manoel adube nosso jardim com ignorãças, cheios de nada, florecendo sempre um fazedor de amanhecer e furmigar poemas rupestres.
    um abraço, e valeu pelas passagens na sarje, espero sempre seu retorno.
    parabens pelo espaço.
    koisan uchoà

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