sábado, 25 de setembro de 2010
Desconstruída
Recebi como resposta este trecho da Clarice Lispector de uma amiga querida. É, faz todo sentido neste momento da vida.....
Compartilho:
"Estou desorganizada. (...)
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira que vivo. (...) Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?”
E na foto as minhas paisagens também desorganizadas pela seca. Esperando que se faça o verde novamente.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Como me sinto?
Hilda Hist
Sim, é como me sinto nessas semanas de mergulho em águas densas......
E a foto que deixo capta um momento de vizinha, no fim de tarde encantado do cerrado
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Silêncios

Ando permeada de silêncios. Imensos espaços vazios. Reticências. Travessões sem falas desmedidas.
Fundamental calar a voz. Deixar os sentimentos pulsarem livremente, sem traduções.
Apenas sentir. Ouvir o silêncio que se ergue cuidadoso, zelando pelo pulsar do peito.
Silêncio branco. Silêncio de muitas faces. Silêncio meu.
Silêncio que colho com os dedos molhados, que tocam a terra fecundada pelas indagações da vida-vivida.
Deixo um poema do Manoel de Barros, que lindamente fotografa o silêncio com poesia. E a foto que tirei de uma de minhas paisagens santistas, que tanto abrigou meu silêncio junto ao mar.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
pelos caminhos que ando
sexta-feira, 21 de maio de 2010
minha vertigem clariciana
Era como se estivesse, enfim, nua. Nua e só, diante de um imenso abismo. Sentia a vertigem, à beira do barranco, e meus pés fincados no chão. Mais um passo, e era o pulo. Os pés latejavam, ardiam. Eu sempre tive uma relação de atração e repulsa com as vertigens, e esse magnetismo vibrava com uma intensidade eletrificada. Tremia de medo, e me aproximava do escuro. Busquei alguém, uma voz, um ombro, uma lanterna mas, esse pulo só se dá sozinha - e no breu. Não se pode iluminar o que está por vir, não há lanterna que alcance o desfecho da queda.
Chorei um choro sentido, por dias e dias. Um choro inconsciente, de raízes profundas. Lavei os cabelos e guardei a água que sobrou. Foi ela que me nutriu nos tempos de náusea. Eu estava longe, longe, e via meu filho apenas com os olhos do amor. Sentia com os poros, com as pontas dos dedos, com os ouvidos aguçados para os sons que vem de dentro. Se fosse possível descrever, diria que estava em outra dimensão temporal. Mas toda descrição é efêmera. E o medo é um vulto enorme de garras afiadas.
Quem era eu, enfim? O que é o ego diante desse imenso buraco fosco? Não sabia mais o que me compunha, até que me acostumei com o medo de não saber. Ele passou a ser um aliado. Com os olhos fechados, e envolta pelo medo companheiro, desgarrei os pés do chão. Os pés estavam quentes, e o ar gelado impulsionou o passo. Pulei. Um único e certeiro pulo. Um só minuto e lá estava eu, escorregando pelo buraco de mim mesma, pulsando em queda livre.
E a queda tem sido lenta. Às vezes me agarro em alguns galhos de árvores que me remetem a terra firme. Mas não temo mais a vertigem, vivo-a. Espero chegar em pé sobre as duas pernas - pernas firmes para trilhar um novo caminho mais cheio de mim mesma.
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Na foto está a Tati, uma menina muito querida, em nossa viagem vertiginosa pelo interior do Brasil. Tirei no alto da Serra da Capivara - Piauí. E abaixo, deixo um trecho da Clarice Lispector, que faz eco interior nesse momento:
"Os rituais eram as minhas muletas de aleijada. Mas eis que resolvi jogar para longe de mim, e se perderam no espaço infinito de Deus, as muletas. Morri de medo de cair e nunca mais poder me levantar. Como viver sem os rituais da vida? Sem os hábitos? Então, de dentro de meu medo, surgiu-me uma mulher de pé sobre as duas pernas, e esta mulher era eu - eu sozinha. E foi sozinha que dei os primeiros passos. Trêmula de medo diante de minha ousadia e solidão. Então resolvi criar em mim a nudez. E uma certa luz de verdade nasceu em mim. Não sei dizer qual era a verdade. Era apenas luz de visão, apenas, mas para mim mesma suportável".
domingo, 16 de maio de 2010
O essencial faz a vida valer a pena

Essa semana só consegui pensar nesse texto do Rubem Alves: O tempo e as jabuticabas.
De volta à ativa, a pergunta: "para que mesmo?!", me veio muitas vezes à cabeça.
O tempo corre e me vejo como a menina do texto de Rubem.
Quero roer o caroço do que importa. Do que vale a pena. Da matéria de que é feita a vida.
E ao olhar ao redor vejo minha saúde sendo consumida pelas mesmas mesquinharias, egos e mediocridades de que fala o texto.
Mas hei de voar, e me libertar das amarras que hoje prendem meus pés aos pés de gente que perde o essencial da vida em troca de poder, dinheiro, politicagens e outras podres ilusões.
Aqui vai o texto. E a foto que tirei ontem, da pequena amiga Betina, me traz a alegria do que vale a pena.
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Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.
domingo, 11 de abril de 2010
Bernardo é quase árvore
Só por esse poema do Manoel de Barros, que descobri recentemente, teria escolhido o nome do meu filho.
Ele caiu como uma luva no meu amor de mãe, iluminando o brilho dos meus olhos ao ver meu pequeno homem forte como um urso.
Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:
um abridor de amanhecer
um prego que farfalha
um encolhedor de rios – e
um esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada). Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)
E na foto um momento que captei do meu Bernardo, misturando-se com a instalação de arte para crianças.